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ARTIGO
GRAPHPRINT MAR 12
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Em algumas charmosas livrarias de Londres, na Inglaterra, numerosas pessoas fize-
ram fila para adquirir exemplares do primeiro e do segundo volume de Harry Potter
autografados pela autora, J.K. Rowling, por 860 libras, ou cerca de R$ 2,2 mil. Nos
sites internacionais de e-commerce, os melhores e mais sofisticados leitores eletrô-
nicos podem ser comprados por 200 dólares, algo em torno de R$ 310. Ao conjec-
turar sobre o fato de aqueles livros custarem sete vezes mais do que os desejados
equipamentos da moda, foi inevitável estabelecer analogia com a primorosa fábula
de Leonardo da Vinci, intitulada O papel e a tinta: Certo dia, uma folha de papel que
estava em cima de uma mesa, junto com outras folhas exatamente iguais a ela, viu-
-se coberta de sinais. Uma pena, molhada de tinta preta, havia escrito uma porção
de palavras em toda a folha.
- Porque você não me poupou dessa humilhação? - perguntou, furiosa, a folha de
papel para a tinta.
- Espere - respondeu a tinta -, eu não estraguei você. Eu cobri você de palavras.
Agora, você não é mais apenas uma folha de papel, mas sim uma mensagem. Você
é a guardiã do pensamento humano. Você transformou-se num documento precioso!
E, realmente, pouco depois, alguém foi arrumar a mesa e apanhou as folhas para
jogá-las na lareira. Mas, subitamente, reparou na folha escrita com tinta, e então jo-
gou fora todas as outras, guardando apenas a que continha uma mensagem escrita.
O grande Leonardo nasceu em Vinci, perto de Florença, na Itália, em 15 de abril de
1452. Tinha 3 anos de idade quando, em 1455, na cidade de Mogúncia, na Alema-
nha, outro talentoso e antológico protagonista da aventura humana, o germânico
Johannes Gutenberg, utilizou os tipos móveis que inventara para, pela primeira vez,
imprimir um livro, a Bíblia. Assim, pode-se supor que o genial italiano, na juventude,
tenha se influenciado pelo fascínio que a nascente comunicação impressa passara a
exercer sobre os 50 milhões de habitantes da Europa, à época. Por isso, dedicou-se
também às letras, em especial às fábulas, atividade que somou ao seu riquíssimo
trabalho como escultor, pintor, arquiteto, engenheiro, cientista de diversas áreas e
dezenas de outras especialidades.
Ninguém melhor do que Leonardo da Vinci, em O papel e a tinta, poderia explicar
com mais propriedade o porquê de um livro autografado pela escritora J.K. Rowling
custar mais de R$ 2 mil. Ele definiu com cirúrgica precisão o valor agregado dos con-
teúdos impressos. Para nós, gráficos, herdeiros de Gutenberg, é muito importante
entender cada vez mais a profundidade e a sabedoria contidas naquela fábula, que
nos oferece a exata dimensão do significado de nossa atividade na civilização con-
temporânea. Tal consciência, por um lado, implica imensa responsabilidade quanto
à qualidade e ao bom atendimento aos clientes e, por outro, reforça a confiança na
perenidade de nossa indústria, de nossa arte!
A fábula de Leonardo da Vinci, o
autógrafo de Rowling e a cidadania
Por Fabio Arruda Mortara*
Ou seja, se continuarmos fazendo o certo,
não temos de temer a concorrência de com-
putadores, e-books, internet, tablets e outras
maravilhas da tecnologia. Tudo se soma na
fantástica cadeia produtiva da comunicação,
que torna o conhecimento o bem mais pre-
cioso da civilização contemporânea. Segun-
do outro gênio, o brasileiro Rui Barbosa, “a
palavra é o instrumento irresistível da con-
quista da liberdade”, e sua mais inexpug-
nável guardiã, acrescento, é a tinta sobre o
papel. Por isso, esta tem tanto valor, desde
o autógrafo de J.K. Rowling, até as maiores
tiragens de livros, jornais, revistas, produção
de embalagens, manuais, cadernos e todos
os impressos que situam o ser humano no
seu tempo e lhe outorgam a cidadania.
* Fabio Arruda Mortara é empresário,
presidente da Associação Brasileira da
Indústria Gráfica (Abigraf Nacional) e do
Sindicato das Indústrias Gráficas no Estado de
São Paulo (Sindigraf-SP).