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ARTIGO
GRAPHPRINT SET/09
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As graves denúncias relativas à gráfica do Senado, eclodidas em meio
ao insidioso e vasto rol de irregularidades agora escancarado nessa casa
do Legislativo, não são propriamente uma novidade. Um rápido exercício
de memória é suficiente para constatar que, desde sua criação, em 1964,
a unidade, oficialmente identificada pelo pomposo nome de Secretaria
Especial de Editoração e Publicação, tem protagonizado uma série de es-
cândalos. Tornou-se, paulatinamente, foco de ineficiência, superposição
de cargos e funções, nepotismo, má administração e realização de traba-
lhos ilegais, inclusive de cunho político-eleitoral.
Problemas semelhantes, mesmo quando não permeados por irregulari-
dades, verificam-se invariavelmente em outras gráficas instaladas nos
organismos públicos. Ademais, sua existência é desnecessária e anacrô-
nica, pois serviços de impressão, de vocação eminentemente privada,
podem ser contratados pelo Estado por meio de legítima concorrência a
custos muito inferiores ao da manutenção de estrutura própria.
Além de agravarem o custeio das máquinas administrativas e serem caldo
de cultura para a corrupção (pois é sempre forte o impulso dos oportunis-
tas de utilizar o inegável poder de comunicação dos impressos para fins
pessoais e políticos), as gráficas estatais praticam desleal e predatória
concorrência contra as gráficas do setor privado. Sejam municipais, es-
taduais ou federais, não enfrentam, por exemplo, as mesmas dificuldades
de financiamento. Há casos, inclusive, de outras vantagens competitivas,
como isenções de determinados tributos e taxas.
Também existem casos de indisfarçável estratégia de reserva de mer-
cado. É o que suscitam, por exemplo, os artigos 1º e 2º do decreto n.º
46.064, de 28 de agosto de 2001, do então governador do Estado de São
Paulo, Geraldo Alckmin. Em síntese, estabelecem o seguinte: todos os
órgãos da administração direta e indireta do governo paulista devem co-
tar pelo menos três gráficas privadas quando precisarem de serviços de
impressão. Depois de conhecer as condições apresentadas pelas empre-
sas consultadas, a Imesp (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo) tem a
prerrogativa de oferecer preço, prazo e alternativas de papel e acabamen-
to. Ao fazê-lo, o órgão contratante está dispensado da licitação... Ora!
O mais grave é que oficinas instaladas em sindicatos, instituições religio-
sas e organizações sem fins lucrativos somam-se às estatais, participan-
do de modo indevido de um mercado no qual as empresas privadas pa-
gam elevados impostos, encargos trabalhistas onerosos e uma das mais
altas taxas de juro do planeta para investir periodicamente em processos,
máquinas e equipamentos. Sem a permanente atualização, essa indústria
perde de maneira muito rápida a competitividade, pois os avanços tecno-
lógicos são cada vez mais velozes e sofisticados.
A péssima impressão das
gráficas no setor público
“Falcatruas na gráfica do Senado evidenciam
equívoco de manter oficinas próprias de impressão
em organismos do setor público”
Por Alfried Karl Plöger*
Os problemas causados pelas gráficas estatais à sociedade e ao merca-
do, agora mais uma vez evidenciados pelos escândalos na unidade do
Senado, são ainda mais graves se considerada a importância dos im-
pressos na comunicação, disseminação do conhecimento e liberdade de
imprensa e expressão. Não se trata de serviço a ser tutelado pelo Estado!
Tanto assim, que uma das medidas marcantes do início da abertura polí-
tica nos anos 80 foi o decreto promulgado, em 26 de janeiro de 1982 pelo
então presidente da República, João Figueiredo, que proibia a criação de
unidades orgânicas de artes gráficas na administração federal direta e
indireta, bem como nas fundações instituídas ou mantidas pela União.
Esses organismos, contudo, parecem ter sete vidas, ressuscitando ao léu
dos interesses de políticos, partidos e governos.
Há, entretanto, bons e bem-sucedidos exemplos. Em Goiás, no início des-
ta década, e em Santa Catarina e no Ceará, nos anos 90, as respectivas
imprensas estatais passaram a imprimir somente o Diário Oficial, deixan-
do de ceifar mercado e empregos da iniciativa privada. É compreensível,
embora repulsivo, que governos de exceção ou com tendência ao caudi-
lhismo busquem controlar a comunicação e suas mídias e interferir no
mercado privado. Triste exemplo ocorre na Venezuela, com o arbitrário
fechamento de emissoras de rádio e televisão. Nas democracias, porém,
é inconcebível!
O parque impressor brasileiro, composto por 20 mil empresas, empre-
gadoras de 200 mil trabalhadores e responsáveis por mais de 3% do PIB
industrial do País, repudia as irregularidades na gráfica do Senado. Nessa
atividade, permite-se apenas sujar as mãos de tinta, mas jamais manchar
a ética e os preceitos da probidade. São cruciais a rigorosa investigação
das denúncias e a exemplar punição dos responsáveis por contratações,
nomeações e gratificações indevidas. Também é importante que o episó-
dio demonstre de maneira cabal que gráfica no Estado sempre é objeto
de péssima impressão.
*Alfried Karl Plöger é presidente da Abigraf Nacional (Associação Brasileira da Indústria
Gráfica) e vice-presidente da Abrasca (Associação Brasileira de Companhias Abertas).