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ARTIGO
GRAPHPRINT OUT 13
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Era uma vez um pequeno rato que acidentalmente esbarrou em um leão adormecido. Irritado
por ter sido acordado, apanhou-o com suas garras afiadas. Estava pronto para devorá-lo
quando o pequeno roedor suplica, tentando convencê-lo que um dia poderia ajudá-lo, o que
fez o rei dos animais soltar uma grande gargalhada, concedendo-lhe a liberdade por essa
razão. Pensava: como um bichinho tão pequeno poderia ajudar um animal tão grande? Certo
dia o leão caiu numa armadilha, tentando, em vão, se libertar. Cansado e abatido rugiu por
horas, até que surge o pequeno rato do começo da história. Pacientemente, rói as cordas da
emboscada, libertando seu benfeitor, pagando assim sua dívida.
Essa fábula de Esopo poderia ser aplicada à compra do jornal The Washington Post. O antigo
leão da mídia fundado em 1877, controlado desde os anos 30 pelos herdeiros de Eugene
Meyer, líder de circulação na capital do país mais rico do mundo e força poderosa na determi-
nação das políticas da nação, adquirido de maneira simples e direta, comprado à vista e com
dinheiro do próprio bolso por Jeff Bezos, fundador da Amazon, por míseros US$ 250 milhões.
Combalido pela crise que abalou a maior parte dos meios de comunicação tradicionais na
última década, viu seu faturamento despencar 44% nos últimos seis anos, tornando-se a
venda a melhor opção para fugir da falência.
A reviravolta pode ser descrita através do fenômeno conhecido como Cauda Longa, criado
por Chris Anderson, editor chefe da revista americana Wired em seu livro homônimo. De
acordo com o autor, o mundo antes da web era em quase sua totalidade baseado na curva
de Pareto (economista italiano do século XIX que realizou um estudo sobre renda e riqueza,
observando que uma pequena parcela da população concentrava a maior parte da receita
disponível) também conhecida como regra dos 80/20, ou cultura dos grandes hits. Os mais
antigos certamente se lembrarão das filas gigantescas para assistir a pré-estreias de filmes
como ET e Ghost nas esparsas salas de cinema localizadas em ruas ou galerias, as aglomera-
ções para adquirir o último disco dos Rolling Stones em lojas especializadas como a lendária
Hi-Fi na Rua Augusta, assim como o país reunido em torno da TV para assistir ao último epi-
sódio de Vale Tudo, descobrindo quem matou Odete Roitman. Sua exibição, em pleno sábado
de Natal, registrou picos de 92 pontos de audiência no Ibope.
Trazendo para o tema do artigo, Cid Moreira e Sergio Chapelin, hoje respectivamente nar-
rador de bíblias e apresentador de segundo escalão às sextas-feiras, reinavam absoluto na
bancada do Jornal Nacional numa época em que os únicos canais para se atualizar sobre
as notícias eram as ondas de amplitude modulada, os telejornais noturnos e as bancas, hoje
pontos de venda de sorvete, cartões pré-pagos de celular e também jornais. Saudades dos
tempos em que pessoas se aglomeravam logo pela manhã, lendo as manchetes afixadas em
suas paredes metálicas.
Essa cultura baseada em hits se estabelecia, em grande parte, pela escassez de espaço,
característica da economia dos átomos, batizada pelo editor chefe. As antigas lojas de discos
e locadoras de vídeo tinham sua oferta
limitada a prateleiras nas quais os vinis
ou DVDs eram dispostos por gênero ou
ordem alfabética, razão pela qual eram
preenchidas com itens de alto poten-
cial de vendas – os famosos arrasa-
-quarteirões – mesmo que sua quali-
dade fosse duvidosa, evitando-se assim
encalhes. Crepúsculo, Lua Nova, Gustavo
Lima e Munhoz e Mariano com seu Ca-
maro Amarelo. O mesmo ainda ocorre
com a TV aberta e seu espectro finito,
apresentando velhas fórmulas basea-
das em programas de auditório, novelas
e reality shows, cuja audiência, apesar
de decrescente, representa a fórmula de
cultura massificada.
Com o surgimento da internet, a me-
lhoria da capacidade de transmissão
de dados através da banda larga e o
aumento no poder de processamento e
armazenamento de informações, con-
forme a lei de Moore (que surgiu em
1965, através de um conceito estabele-
cido por Gordon Earl Moore, fundador da
Intel; tal lei dizia que o poder de proces-
samento dos computadores dobraria a
cada 24 meses.), trouxe uma inversão
The Washington Post: o
passado e o futuro da mídia
Por Marcos Morita*