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ARTIGO
GRAPHPRINT OUT 13
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São sete horas da manhã em Pequim, capital chinesa, com seus 20 milhões de habitantes.
Numa gráfica, a jornada dos trabalhadores já está em ritmo alucinante, sem tempo previsto
para terminar. Num dia de pico de demanda, como esse, o almoço é um gesto mecânico,
simultâneo à alimentação de papel das impressoras, aos ajustes de tinta, à troca de bobina,
ao corte e ao acabamento. Os vencimentos e encargos do pessoal somam US$ 60 mensais,
o equivalente a R$ 154. Na fábrica, não há tratamento de resíduos nem reutilização da água.
Carga tributária do país asiático: 20% do PIB.
São 19 horas em São Paulo, centro nervoso da economia brasileira e de uma região metropo-
litana com 17 milhões de habitantes. Os colaboradores de uma gráfica, depois de jornada de
oito horas, estão a caminho de casa ou, se não moram tão longe, já jantando com as famílias.
No almoço, com refeição balanceada, ambiente agradável e fora do chão de fábrica, tiveram
uma hora inteira para comer, conversar e repor energias. Seus salários e encargos somam
US$ 60 dólares por dia, ou US$ 1.800 por mês, aproximadamente R$ 4,5 mil. Na fábrica, há lu-
vas de proteção, uniformes adequados, tratamento de água e resíduos e reaproveitamento de
aparas. A carga tributária no Brasil é superior a 37% do PIB, a mais alta no universo dos BRICS.
Como se observa, há muito mais do que a diferença de 12 horas no fuso horário separando as
gráficas das duas nações. O contraste de competitividade é imenso! Se, de um lado, a China
exagera no desrespeito às normas internacionais relativas ao trabalho digno e à responsabi-
lidade socioambiental e subsidia o papel de imprimir, convertendo tais distorções em diferen-
cial para auferir vantagens concorrenciais, o Brasil extrapola em muito aos padrões globais
quanto aos impostos, juros, burocracia, encargos trabalhistas, insegurança jurídica e câmbio
equivocado, reduzindo de modo dramático a competitividade de sua manufatura.
Na indústria de transformação brasileira, há segmentos mais afetados do que outros, em es-
pecial nos quais há similaridade tecnológica e em que pequenas variações de qualidade não
são consideradas pelo contratante do serviço na avaliação da relação de custo e benefício. É
o caso do setor gráfico nacional, que investiu pesadamente nos últimos anos em atualização
de equipamentos e processos, nada devendo aos melhores do mundo. Nesse caso, a decisão
do cliente é balizada pelo preço, não importando muito a tinta usada (se tem ou não chumbo),
as peculiaridades dos demais substratos, a origem do papel (se vem de florestas cultivadas ou
é extraído de matas nativas), se os profissionais têm ou não condições adequadas de trabalho
ou se um dos efeitos colaterais daquele produto é o dano ambiental.
No capitalismo, não se pode condenar essa perspectiva do preço nas decisões dos clientes.
Contudo, cabe ao Estado adotar medidas eficazes para equilibrar o jogo no comércio interna-
cional, adotando políticas públicas reguladoras. Ante tal premissa, a indústria gráfica brasilei-
ra tem encaminhado algumas poucas reivindicações ao governo, até agora não atendidas, o
que motivou um manifesto do setor à Nação, sintetizando as medidas pleiteadas: desoneração
da folha de pagamentos; isenção do IPI para os materiais escolares; alíquota zero do PIS/
Cofins para a atividade de impressão de livros; retirada de seis papéis de imprimir da lista
de cem produtos que tiveram suas alíquotas de importação elevadas pela Camex; adoção de
margem de preferência quando das compras de materiais gráficos pelo setor público, incluin-
do as obras adquiridas pelo governo
no âmbito do Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD); fiscalização efi-
caz do uso indevido do papel imune;
fim da bitributação do ICMS e ISS.
A indústria gráfica do Brasil não abre
mão da dignidade trabalhista de seus
colaboradores, de sua responsabilida-
de socioambiental, dos investimentos
em tecnologia e de concorrer de modo
ético e saudável na economia globa-
lizada. Porém, precisa ser ouvida em
seus pleitos para manter os 230 mil
empregos existentes nas mais de 20
mil gráficas e cumprir seus compro-
missos com o desenvolvimento na-
cional. Caso contrário, continuaremos
passando o constrangimento de ver
livros de autores brasileiros, inclusive
os comprados pelo governo para dis-
tribuição às escolas públicas, sendo
impressos sob a fumaça de Pequim e
ao ritmo do dumping social, um triste
eufemismo para condições de traba-
lho inimagináveis em nossa pátria!
*Empresário, é presidente da Asso-
ciação Brasileira da Indústria Gráfica
(Abigraf Nacional) e do Sindicato das
Indústrias Gráficas no Estado de São
Paulo (Sindigraf)
Muito além do fuso horário
Por Fabio Arruda Mortara*