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ARTIGO
GRAPHPRINT SET 12
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Cada vez mais fica nítida para analistas, investidores e o mercado em geral a crescente in-
gerência do governo federal na economia do País, entre as quais nas práticas de comércio
internacional. Os sinais desse inquietante movimento intervencionista estão em toda parte.
Em contrapartida, as indústrias brasileiras não conseguem aumentar sua produção, que
desde o início de 2012 vem apresentando sucessivos índices negativos. Tudo isso acom-
panhado de uma queda nos investimentos privados e públicos. Estes, aliás, que já eram
insuficientes em relação ao ano passado, caíram ainda mais nos setores de infraestrutura,
justamente os que poderiam, de fato, alavancar a economia nacional.
No setor de papel, a escalada protecionista vem sendo feita de diferentes formas, muitas
vezes de modo disfarçado. Por meio de medidas não tarifárias, o governo atingiu diversos
tipos de papéis importados, que desde o ano passado passaram a necessitar de licença
prévia de importação para entrar no Brasil. A medida teve como justificativa oficial diminuir
o fluxo de importados e combater as operações ilegais com o papel isento de tributos, o
chamado papel imune, que somente pode ser usado em impressões com fins didáticos e
culturais.
Em março último o governo simplesmente tornou a exigência sem prazo definido para ven-
cer, acrescida agora, por meio de lei em vigor desde 17 de maio de 2012, da necessidade
de rotulagem específica para identificação do papel com isenção fiscal. Além de não haver
qualquer prova de que o papel importado, eleito como “bode expiatório”, é que estaria
sendo desviado – e o nacional, não –, a medida vem impondo barreiras a diversos outros
tipos de papéis e não apenas aos ditos “imunes”. O objetivo dessas ações, está claro, é
muito mais proteger a indústria nacional de papel, setor altamente concentrado nas mãos
de poucas empresas familiares e com grande grau de dependência de financiamentos de
órgãos governamentais.
Como resultado, desde o 2º semestre do ano passado as importações vêm caindo, cenário
que se agravou nos primeiros meses de 2012, quando as importações de papel de imprimir
e escrever tiveram queda de até 57%, de acordo com a Associação Nacional de Distribui-
dores de Papel (Andipa). Ao mesmo tempo, o papel fabricado no Brasil, como papéis de
imprimir e escrever e cartão, teve um aumento médio de 15% nos preços, o que, por sinal,
pode ser comprovado pelos balanços trimestrais divulgados pelas companhias.
Um sinal claro da equivocada ação protecionista patrocinada pelo governo federal a partir
da pressão dos fabricantes nacionais é a própria realidade dessas empresas, hoje quase
que totalmente focadas em expandir a produção de celulose, responsável por mais de
92% do saldo comercial dessas empresas no Brasil. A razão é financeira: enquanto o papel
apresenta Ebtida médio de 23% a 25%, a celulose alcança 37% a 40%. Alguém acha que as
empresas vão deixar de investir no que oferece melhor retorno para aplicar onde é menor?
A situação fica pior ao constatarmos que, ao favorecer um setor, o governo acaba por
prejudicar outro tão importante quanto, que é a indústria gráfica. Esta não conseguirá
competir em igualdade de condições com os fornecedores internacionais, ficando à mer-
cê dos produtores nacionais, que não
conseguem suprir adequadamente o
mercado, e como já destacamos acima,
vêm aumentando seus preços.
Em conclusão, resta claro que a criação
de barreiras que restringem a entrada
do produto importado, cuja pressão se
faz sentir também por meio de amea-
ças constantes de ações antidumping
contra os produtos estrangeiros, tem
o objetivo claro de beneficiar um setor
historicamente acostumado à proteção
governamental. Situação, por sinal, co-
mum a outros segmentos da indústria e
que já nos trouxe muitos problemas no
passado. Além disso, com a crônica difi-
culdade de investimentos e expansão na
deficitária área de papel, acompanhada
da diminuição da competição, a longo
prazo, quem deve pagar a conta, mais
uma vez, serão os contribuintes, seja
pelo aumento de preços ou por meio do
velho socorro via Banco Nacional de De-
senvolvimento Social (BNDES).
Desvios da política nacional
para o setor de papel
* Geraldo Ferreira é diretor geral da
Cathay, subsidiária da Asia Pulp and
Paper (APP) no Brasil.