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GRAPHPRINT AGO 12
EDITORIAL
Não há fim se há meios
Quando garoto, jogando bola na rua, sempre brincávamos que se fosse para ser atropelado,
próximo ao golzinho demarcado por tijolos de alguma construção inacabada, que Deus
mandasse uma Mercedes esportiva e de última geração. Livrai-nos do Fusca, do Passat, da
Belina, do Fiat 147, entre tantos outros velhinhos, hoje, porém, colecionáveis.
Uma senhora da rua de cima sempre profetizava que gostaria de morrer antes da própria
morte. Matreira, suas histórias margeavam a imaginação dos meninos, inclusive a minha,
ao contar que gostaria de falecer no gozo da saúde plena. Assim como as divas do cinema
dos anos 40, só que em cores.
A senhora sempre contava uma passagem com um burguês inglês que em pleno ato sexual
se apagou nos atributos físicos da amante. Subitamente, o médico adentrou ao palácio
perguntando se o cliente conservava a consciência. “Não”, respondeu alguém. “Ela saiu
correndo pela porta dos fundos.”
Com o poder que só a escrita proporciona, e o papel interpreta, transporto o tema para a
indústria gráfica. Pragmatismo de fora, há pessoas que acreditam piamente no fim do papel,
que, convenhamos, não seria o fim da impressão. Comprado por alguns, o discurso de que
o papel está chegando ao fim provou-se não ser argumento para acabar com a indústria
da impressão. Hoje, modernas impressoras trabalham com inéditos substratos, como vidro,
PVC, lonas, plástico, cerâmica, entre outros que não recordo agora. Além do papel, teríamos
uma miríade de substratos. A consciência, então, estaria preservada.
No meio jornal as notícias passam distantes do ar fúnebre. A probabilidade de falência múl-
tipla dos órgãos, orquestrada pelo fim do papel, está distante. O IVC informa que o segmento
jornal apresentou crescimento de 2,3% no primeiro semestre de 2012. Entre os meses de
janeiro e junho, a média diária de circulação de todos os jornais filiados ao instituto foi a
maior da história, atingindo a marca de 4.543.755 de exemplares. Ao comparar esses dados
do IVC de junho de 2012 com os últimos 12 meses é possível observar um crescimento de
5,1% da circulação dos títulos populares (com preço inferior a R$ 0,99). A circulação dos
jornais com preço de capa entre R$ 1 e R$ 2 teve um aumento de 2,5% nos últimos 12
meses. O menor percentual de crescimento (0,8%) foi registrado na faixa dos títulos acima
de R$ 2. Novamente, a consciência foi preservada.
Sergio D’Ávila, editor executivo da Folha de S.Paulo, lembrou durante evento para discutir
o mercado de jornais que sempre há uma inovação tecnológica. “Mas as inovações tornam
os jornais melhores. Quando surgiu o telégrafo, os jornais passaram a ter ‘lead’. Com o
rádio, sumiram as edições vespertinas. A TV fez os jornais colocarem mais fotos na primeira
página; já a TV colorida fez as páginas ficarem coloridas. Cada inovação teve uma leitura e
fez uma transformação, mas eles foram seguindo. A internet talvez tenha gerado com uma
velocidade maior esta atualização constante”, apontou.
Já o mercado de produtos de luxo – e a indústria gráfica, principalmente de embalagens,
curte esse setor – registrou crescimento médio de 20% em 2011, totalizando vendas de R$
18,8 bilhões. Estimativa da MCF, consultoria especializada nesse segmento, é de o cresci-
mento na casa dos 20% pelos próximos três anos. O mercado de luxo, então, além da cons-
ciência preservada, investe em qualidade de vida. O papel é inerente ao meio, tenha certeza.
Enquanto isso, naquela rua, a idosa continua sonhando com o instante derradeiro. Deseja
morrer com perfeita saúde, igual a um passarinho que se deita para dormir em seu acon-
chegante ninho. Por outro lado, desistira de esperar a data
fatídica. Já se acostumou com a ideia de visitar permanen-
temente o céu, sabe se lá quando.
Sentada em sua antiga poltrona de balanço, permeada
por fibras de coqueiro legítimo, lembra por um instante
de quantas vezes o jornal lhe proporcionou notícias fres-
quinhas e manchetes arrasadoras – quando não viravam
receita de bolo na primeira página - na temível época da
ditadura militar. Lembra, ainda, quantos livros saboreou de-
baixo de uma antiga jabuticabeira que filtra os raios solares
de sua modesta casinha.
Foi por meio do papel e pelo incessante hábito da leitura
que conheceu Dom Casmurro, teve raiva por alguns instan-
tes do assassino da cachorra Baleia, em Vidas Secas, e mo-
lhou as páginas do livro Pássaros Feridos. Por muitas vezes
viu o jornal antigo virar embalagem do excelente chouriço
feito pelo seu Joaquim, do armazém ao lado de sua casa.
Viu, reviu e continua a pensar em sua morte. Quando per-
guntada se acha que o papel caminha para o mesmo fim, é
enfática: “Sim, morrerá, assim que o ser humano deixar de
alugar o universo.”
Indago: “Quer dizer o Planeta Terra?”
- “Claro que não. Quero dizer universo mesmo, não sei
quais são os meios de leitura dos extraterrestres.”
Saudações Graphprintenses
Fábio Sabbag